quarta-feira, fevereiro 18, 2004

João Luiz,
Na sua análise dos 5 leitores brasileiros, achei interessante q vc parece estar pensando em leitores de não-ficção (¡ou naquilo q os leitores acreditam ser não-ficção!). Isso diz muito sobre o leitor q você é, ou seja, o q vc lê e como utiliza o q lê pra interpretar as coisas. ¿O q tem a dizer sobre leitores de ficção?

De minha parte, acho sim q brasileiro lê pouco. Até criei - pensando em livros místicos, de auto-ajuda, &c - a frase lapidar 'quem lê pouco vê demais'. E até acho q vc foi generoso demais ao incluir apenas 5 tipos de leitores numa lista q poderia conter muitos mais. Pra mim, a verdade é q a tacanhez do leitor anda de mãos dadas c/ a tacanhez do meio editorial brasileiro. Este é tacanho em vários aspectos, mas só vou falar dos três q entretém meu pensamento de vez em qdo: (1) a pomposidade de quem se acha culto; (2) a pobreza criativa do meio editorial brasileiro; (3) o desleixo das editoras.

POMPA É BOMBA
Compare as introduções de dois dicionários de sinônimos, o inglês Thesaurus de bolso da Oxford e o brasileiro Houaiss de Sinônimos e Antônimos. Em número de verbetes, são quase análogos: o Oxford tem "150,000 alternative words", e o Houaiss tem "187.000 sinônimos".

Esta é minha tradução da introdução completa do Oxford:

"Um dicionário de sinônimos é feito para ajudar você a encontrar as palavras de que precisa para se expressar com mais eficácia e tornar seus escritos mais interessantes. Este dicionário foi elaborado para combinar o máximo de facilidade com o máximo de auxílio que seu pequeno formato possibilita. A gama de sinônimos e de outras informações incluídas aqui é mais ampla do que seria de se esperar num livro deste tamanho. Os verbetes estão dispostos em ordem alfabética, e a organização de cada verbete é simples e em grande parte auto-explicativa. Geralmente, você encontrará o que quer no verbete em que procurar, mas às vezes será necessário cruzar informações com outros verbetes se você precisar de antônimos, ou se você estiver procurando uma gama maior de palavras.

"Ao utilizar um dicionário de sinônimos, deve-se tomar alguns cuidados. Em primeiro lugar, nenhuma lista de sinônimos pode ser considerada 'completa'. Muitas listas poderiam ser estendidas - algumas quase indefinidamente. Considere, por exemplo, a variedade de palavras que poderíamos usar em lugar de (digamos) bom ou agradável. Em segundo lugar, raramente no inglês duas palavras são totalmente intercambiáveis. Os assim chamados sinônimos podem expressar nuances distintas de significado, ou pertencer a contextos diferentes, ou implicar em sinais diferentes sobre o escritor ou o leitor-alvo - e assim por diante. Espero, portanto, que este volume se torne um recurso útil, mas não somente como um repositório sem vida de ?palavras para usar?: minha principal esperança é que um dicionário de sinônimos - mesmo um pequeno como este - nos incite a pensar sobre a língua, e nos torne capazes de explorar mais profundamente nosso próprio conhecimento e compreensão de seus complexos processos."
Alan Spooner

Só isso.

Já a introdução do Houaiss, de Mauro de Salles Villar, estende-se por 4½ páginas. Não vou te encher o saco. Só vou citar algumas partes, pra vc sentir o baque:

"Desde a Antigüidade os homens interrogam-se sobre a origem das palavras e sua significação. Heródoto, Platão, Aristóteles, Cícero, Lucrécio, Plutarco, Plotino, e os gramáticos Varrão (que codificou a gramática latina no século I a.C.), Sexto Festo e Nônio Marcelo estão entre aqueles que escreveram sobre tais questões. Foi, porém, Demócrito, pai da teoria atômica do universo e prógono das teorias de indestrutibilidade da matéria e da conservação de energia, quem primeiro registrou, pelo remoto século IV a.C, os fenômenos da polissemia (multiplicidade de sentidos numa só palavra ou locução) e da sinonímia (relação de sentido entre dois ou mais vocábulos ou locuções cuja significação é a mesma ou muito próxima)."

E dá-lhe parágrafos de rocambolices históricas. Mais adiante:

"A noção de SINÔNIMO é polissêmica, e sobre ela escreveu M. Tutescu (Précis de semantique française, Paris, Klincksieck, 1975, citado por D.A. Cruse) tratar-se da "relação semântica que mais tinta fez correr, a relação que o bom senso estima ser clara, mas que os lógicos não cessam de proclamar como martirizante". Sinônimos absolutos denominam-se aqueles capazes de se permutar em qualquer frase, pelo fato de denotarem e conotarem de modo igual a mesma realidade. (...) Na metaliguagem empregada pelos dicionários de tipo semasiológico, por seu lado, a cada unidade léxica deve equivaler uma paráfrase (...) cuja perfeição é medida em relação à sua maior ou menor possibilidade de se permutar em qualquer contexto com a unidade léxica definida."

E por aí vai. 4½ páginas de chatice totalmente irrelevante pra 99,99% dos usuários do dicionário. É 'sinônimo perifrástico' pra cá, 'valor disfêmico' pra lá. Nenhuma frase inspiradora, nenhum comentário simples, nada além de uma secura descritiva, um ar professoral, uma tentativa quase desesperada de mostrar q o assunto tá dominado e q o Houaiss não foi compilado de qqer jeito, não: ¡teve muita pesquisa, muito discernimento, muita seriedade! É tanta demonstração de erudição, tanta asserção de coerência, q até se desconfia o oposto: o Spooner, c/ sua simplicidade, parece gostar mais de filologia do q o Salles Villar.

É óbvio q não quero comparar a qualidade dos dois dicionários nem a erudição de seus redatores. Mas as perguntas q me faço tbm são óbvias: ¿Q motivo levaria um redator a achar necessário ou apropriado ou oportuno escrever algo q só 0,01% de seus usuários apreciariam devidamente? ¿Por que a editora consentiu a q o redator pavoneasse seus conhecimentos em lugar de servir ao público c/ uma introdução sucinta e animadora?

As respostas, só eles sabem. Mas arrisco q certamente têm algo a ver c/ a opinião q eles fazem dos leitores brasileiros, aqueles coitadinhos q precisam de um pouco mais de cultura, q mal sabem juntar três palavras corretamente. É justamente esse um dos principais motivos por que os coitadinhos não leiam mais: a pose do escritor, aquela pose arrebicada q não engana ninguém.

Sobre a introdução do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, melhor eu nem falar. Pra vc ter uma idéia, tem nela uma palavra q ¡nem sequer consta no próprio dicionário!

O IDEAL É TER IDÉIAS
Em qqer seção de literatura infantil de qqer livraria brasileira há mais livros traduzidos q o contrário. Desde cedo, a criança q lê é bombardeada por textos traduzidos, textos cuja linguagem na maioria das vezes não combina c/ a língua viva q ela fala e ouve diariamente. ¿Será q ninguém neste país consegue escrever c/ naturalidade? Mas o problema de traduzir não engloba apenas a questão do texto em si, mas tbm o fato de q a idéia de escrever sobre algo veio de outro país; a criança já cresce preferindo aquilo q não é daqui. ¿Será q ninguém neste país tem idéias interessantes e originais pra escrever? E o problema não pára por aí, pois não é só o texto q é traduzido. Os livros em si são realizações de idéias importadas: um livro tem o formato de um helicóptero; outro tem uma capa de plástico; outro tem uma encadernação diferente; outro é uma idéia editorial totalmente nova, &c &c &c. Parece q as idéias importadas não têm fim, ainda mais q o q é traduzido e adaptado por aqui é apenas uma fraçãozinha do q existe. ¿Será q ninguém neste país tem idéias? Vc diria, ah, mas o Brasil é só um país, e os estrangeiros são muitos. Balela. Veja por exemplo a quantidade de livros traduzidos apenas do francês.

A tacanhez das editoras brasileiras é um problema relacionado c/ aquilo q sempre digo: só há progresso e desenvolvimento onde há variedade e distinções. Mas no Brasil quase todo livro é publicado como se fizesse parte de uma coleção: aquele formatinho A5 14x21, a mesma encadernação colada, a mesma espessura da capa, o mesmo papel. Não é por acaso q o povão não se sinta atraído.

Meu ponto aqui é q se vc observou a paisagem brasileira e identificou apenas cinco tipos de leitores, então a coisa tá preta mesmo.

IMPROVISO É IMPREVISTO
A improvisação e o desleixo nas edições brasileiras tbm é um forte fator na rejeição dos livros. Um aspecto interessante dos livros brasileiros são as lombadas: pouca coisa reflete tão bem a improvisação das editoras. No Brasil há desconforto até na hora de escolher um livro numa estante. Numa seção de livros em inglês, o freguês lendo as lombadas se curva prà direita; na seção de livros franceses, ele se curva prà esquerda; na seção de livros brasileiros, o freguês se curva pra cá, pra lá, pra cá... A chatice já começa ali. Não há um padrão, nem mesmo numa mesma editora.

O desleixo é algo pior. ¿Vc já abriu algum livro daquela coleção promovida pela Folha? Uma encadernação horrível: as páginas se contorcem ao se abrir o livro. C/ honrosas exceções, quase todo livro brasileiro q abri nos últimos anos tinha algum defeito de concepção ou realização. Eu poderia enumerar alguns exemplos, mas já enchi bastante, não?

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¿Todos esses problemas de q reclamo são motivo pra não ler? Pra mim, não. Mas ao criticar as pessoas q não procuram o conhecimento nos livros, lembro q antes de conquistar é preciso seduzir, antes de seduzir é preciso atrair, e os redatores e editoras não estão ajudando. Se um programa de tv for pomposo, sem imaginação e mal-feito, tbm não terá muita audiência. O sucesso de alguns poucos livros 100% nacionais atesta q o brasileiro quer ler, sim. Só não encontra o quê.