sexta-feira, fevereiro 07, 2003

João Luiz,
Well, well. Por onde começar?

Qdo era ‘instrutor’ daquela escola q vc já sabe qual é, fiz um cálculo parecido c/ o seu – talvez não tão detalhado. Mas a pergunta q todos os instrutores se faziam (e continuam se fazendo, acredito, e far-se-ão sempre) não era “por que o lucro desta joça não vai todo p/ a mão dos q aqui trabalham?”, mas sim “o q é q leva tanto trouxa a pagar essa fortuna p/ ter essas aulas padronizadas e sustentar toda essa estrutura de salários sendo q pela metade do preço consegue um professor particular melhor q a média dos instrutores daqui?” A resposta a esta última pergunta está no cerne da psicologia (isso mesmo, não da ideologia) q alavanca o sucesso de empresários e magnatas: o nome da escola. Não digo o ‘renome’, mas o nome mesmo. Também não falo da qualidade intrínseca do nome, isto é, se é um nome sonoro e bonito ou cacofônico e sem sentido. Falo da existência mesma do nome, do fato de q um grupo de pessoas trabalhando juntas pode ser identificado por um nome.

O nome é uma almofada entre o cliente e o trabalhador, pois a coisa mais horrenda e evitada por ambos é o contato direto, a cobrança pessoal de ‘qualidade’ e ‘compromisso’ (razão pela qual palavras desse calão figuram tão freqüentemente na propaganda). O nome da empresa é o alvo de toda crítica, o objeto de todo desejo e a fonte de todo lucro. P/ o cliente, o nome da empresa é uma garantia, por inferência, de q seu dinheiro não será desperdiçado. Ele pensa, “Se esse nome, Scrotum Languages, existe há mais de 50 anos, então a escola deve ser boa”. Em nenhum momento lhe passa pela cabeça q após 50 anos de existência, não restou absolutamente nenhum dos empregados originais, e o nome pode ter sido comprado há 3 anos pelo Instituto Bundão. Depois pensa, “Se der algum problema, movo uma ação contra a Scrotum Languages, c/ o respaldo de toda a máquina legal à qual a própria Scrotum está subordinada”. Note qtas vezes o nome Scrotum aparece nos pensamentos do trouxa, sem q em momento algum, ou muito pouco, ele sabe exatamente ao quê ou a quem está se referindo. Para os empregados, o nome é tanto aquilo q os orgulha/envergonha, como aquilo q os protege de toda crítica direta. Se o aluno gosta da sua aula, é porque vc é um bom professor; se não gosta, a culpa é do método, do sistema, do salário, &c. Ou seja q p/ o trabalhador, o nome da empresa é tanto um guarda-chuva e escudo como uma vitrine e vaca leiteira. Tirar o fiofó da reta é a prioridade máxima de todos os envolvidos.

Pois bem. O problema numa sociedade organizada em torno do trabalho é q as inferências subconscientes são muito mais importantes do q qqer tentativa consciente de restringir a malandragem. Sempre haverá malandros, e as pessoas sabem disso inconscientemente. Grande parte da cognição está voltada p/ a detecção de embustes. Uma das maneiras de se precaver contra embustes é observar a história do fenômeno em questão. Se o nome Scrotum está na praça há 50 anos, vc pode ter certeza de q ele permanece porque em qqer momento de sua história houve pelo menos um indivíduo q se responsabilizava pelas suas carências e seus problemas, depois q todos os outros envolvidos tiraram o supracitado da reta. Esse indivíduo é aquele q dá a cara ao tapa em caso de problema e deve ser portanto o maior beneficiado pelo nome da empresa em caso de sucesso. Nesse raciocínio há justiça inegável. Mas ele tanto pode promover-se usando o nome como se esconder atrás dele, já que também ele está se precavendo contra embustes. Caso o dono veja q a empresa está indo p/ a cucuia, ele pode eliminá-la antes q o fracasso reverbere sobre ele. Afinal, diria ele, não é sua culpa se os funcionários eram todos incompetentes fazendo pose de gênios.

Se vc abrir uma escola concorrente em q as responsabilidades sejam compartilhadas entre seus trabalhadores, c/ certeza terá vida curta, e por dois motivos: (1) é dificílimo, quiçá impossível, juntar um grupo de pessoas coeso o bastante p/ manter o compromisso da responsabilidade compartilhada por muito tempo; logo-logo alguém se muda pro Piauí, ou tem um triângulo amoroso dentro do grupo, ou desenvolve uma ojeriza por alguém do grupo, ou 5 bilhões de etcéteras; (2) “A Scrotum tem 50 anos na praça, meu filho, ¿vc vai desperdiçar seu dinheiro/tempo/saco c/ um bando de aventureiros q podem muito bem ser uns malandros?” Vc até poderia contestar q todo dia velhas empresas vão p/ o brejo dando lugar a novas, e q histórias de sucesso acontecem todo dia. Ok, mas isso são outros quinhentos. Esse tipo de coisa acontece por dois motivos q nada têm a ver c/ as inferências cognitivas: (a) o aumento da população traz gente nova no mundo e qdo o crescimento das empresas existentes não dá conta do crescimento populacional, aparecem novas empresas, q podem ser muito bem sucedidas porque não estão presas às tradições administrativas q talvez atravanquem as antigas; (b) ainda não se sabe tudo q há p/ saber sobre o mundo, motivo pelo qual sempre tem um gato pingado descobrindo alguma coisa nova sobre a ribomboca de uma parafuseta quântica e ganhando rios de dinheiro c/ a descoberta.

Dois outros aspectos das empresas contribuem p/ q a idéia de responsabilidade compartilhada nunca dê certo.

A primeira tem a ver c/ a maneira como as relações humanas se dão. Digamos q vc seja parceiro em uma escola c/ 10 co-professores. Vc então encontra um amigo q lhe pede aulas. Vc diz, “Vai lá na nossa escola, q a gente resolve o seu problema.” Se a pessoa diz, “Ah não, quero aulas c/ vc. Conheço todos os outros professores da sua escola, não tenho nada contra eles, mas aprendo mais na sua aula.”, o q vc faz? Vai levar o aluno p/ a escola e ficar trabalhando p/ os outros lucrarem? Claro q não: vc faz um acordo c/ a pessoa p/ receber a justa recompensa pelo seu trabalho. Tanto o grupo de co-professores como o acordo c/ o futuro aluno particular são tipos de panelinhas. As panelinhas são malvistas, mas é impossível imaginar como algo possa funcionar sem q algum tipo de panelinha seja concordado. E vc não vai fazer um acordo c/ um desconhecido pois seu alarme de embustes dispara no vermelho e vc não dorme direito até desfazer-se do desconhecido ou obter o aval de alguém confiável. Há panelinhas desde as menos eficientes (“Vc disse co-professores?? Mas nem morto!!”) até aquelas q compõem todas as relações entre grandes empresários, aquelas em q cada um cuida do q é seu mas obtém informações preciosíssimas em conversas e acordos.

A segunda é conhecida como ‘the Peter principle’, batizado pelo próprio ‘descobridor’, um tal de Dr Lawrence Peter. O princípio diz q numa empresa em crescimento a maior parte dos funcionários de chefia são incompetentes, já q à medida q a empresa cresce, os bons funcionários são promovidos até atingir um cargo q não têm capacidade de realizar a contento, e então deixam de ser promovidos. Ou seja q qto maior a empresa, maior é a percentagem de funcionários em funções acima de sua capacidade (motivo pelo qual toda empresa tem uma política de ‘organização e métodos’ q pretende manter tudo sob controle nivelando por baixo). Numa empresa de responsabilidade compartilhada ideal, a empresa como um todo tende a chegar a um ponto onde não consegue realizar sua função, já q o detetor de embustes e a malandragem natural de seus integrantes garantem q a soma das partes seja sempre menos do q o todo.

E ¿o q tudo isso tem a ver c/ política?, indagar-se-me-ia. Essas coisas não são característica do mundo moderno. Em princípio, tudo q eu disse até aqui já existia antes do capitalismo, da ciência e das pinturas rupestres. A política não tem ascendência sobre as inferências inconscientes q resultaram e resultam na maneira como as pessoas interagem; tampouco tem ascendência sobre as inovações tecnológicas ou descobertas fortuitas. Colombo descobriu a América não por decreto dos reis da Espanha, mas simplesmente porque a América estava lá. E o capitalismo q temos hoje é o desemboque inevitável do trinômio democracia / inovação-tecnológica / crescimento-populacional, sendo q a democracia é administrada pela malandragem, a inovação tecnológica é gerida pela estupidez, e o crescimento populacional é promovido pela medicina, tudo cozinhado ao fogo lento da tendência socialista alimentada pelo detetor de embustes.

Mas chega. Ao falar de política, estamos o tempo todo falando de humanos – esses serzinhos desprezíveis, ignóbeis e falastrões com quem tenho o desprazer de compartilhar a responsabilidade por ir destruindo tudo q há de belo e bom neste planeta.

sábado, fevereiro 01, 2003

João Luiz,
Sua exposição está tão impecável q nem vou continuar o assunto. Abro aqui o assunto política, em resposta a um xingamento do Bunny, q transcrevo abaixo, c/ uma ressalva: ele inclui no termo 'imprensa marrom' a Folha e o Estado, assim como a Veja e similares. Hmm.

Voltando um pouco no passado, você comentou a forma como a imprensa trata da eleição de Lula. Hoje vi dois textos interessantes relacionados ao assunto. O Élio Gaspari compara a cobertura da imprensa à Caras, sobretudo no que diz respeito ao "Fome Zero". As promessas de campanha são também comparadas ao que será realizado e muitas discrepâncias aparecem. Segundo, pela primeira vez na imprensa marrom, a Veja pública algo verdadeiro. Na entrevista com Luciana Helena esta declara, demonstrando um raciocínio lógico impecável, que ou é preciso mudar o que o PT vêm fazendo no governo, ou o PT "ludibriou" a população durante a campanha, criticando e acusando o governo anterior e depois fazendo praticamente o mesmo. Eu já havia percebido esse processo e o tinha expressado usando as mesmas palavras. A senadora está certa, mas só percebeu isso agora. Na verdade ela continua achando que as acusações estavam certas, mas que o PT que está no comando de repente deu uma guinada de 180 graus. Na minha versão o PT vinha sendo hipócrita. Queria mesmo ganhar a eleição e enrolou muita gente. Meteu o pau na política econômica e vai continuar a por a culpa no PSDB.

Não acho que os 8 anos de FHC foram o ideal, mas não é fácil colocar o Brasil numa trajetória de crescimento sustentado, especialmente diante de 5 fortes crises internacionais.


Aqui vai minha resposta, convidando vc a comentar tbm.

Antes de mais nada, lembro q não sou petista, não simpatizo c/ nenhum partido e tenho raiva de quem dá à política mais importância do q se dá a um mero stage manager. Dito isto, vamos lá.

Nem o PT foi hipócrita, nem a senadora impeca na lógica. A presidência petista completou apenas 1 mês de existência após mais de 99% de 1368 meses de presidentes olicarcas ou militares ou coisa q o valha. O PT, analisando a situação c/ muito mais clareza q seus críticos, sabe q não pode modificar tudo da noite pro dia e opta a princípio por manter as coisas dentro do q já está feito, e tentar melhorá-las aos poucos. Vê-se assim entre dois fogos: por um lado, encarnada sem muita carne na pessoa da senadora, a ala socialista radical do partido ingenuamente exige mudanças revolucionárias, querendo dar o mate c/ cheque de pastor; pelo outro lado, estão os empresários e outros conservadores, isto é, pessoas cujas duas principais características – a impaciência e a paranóia – os levam a sacrificar muitos peões p/ tentar jogadas drásticas q enfraquecem as posições táticas.

À esquerda, os socialistas radicais não têm medo de revolução e alegremente destroem o q está feito, já q nada lhes pertence; à direita, os empresários não têm escrúpulos e alegremente matam gente direta ou indiretamente, a curto ou a longo prazo, corrompem instituições e desagregam a coisa pública, já q/ tudo lhes pertence (ou, perhaps more importantly, pode vir a lhes pertencer).

O q o PT quer fazer é começar c/ um rotineiro peão-a-quatro-do-rei e cuidar p/ não perder nenhuma peça. Se algo tiver q ser sacrificado, q seja um gambito e não uma perda. A direita e seus simpatizantes, acostumados a lucros rápidos, obras drásticas e conspícuas, à custa de gente e instituições, certamente não vão gostar do governo petista, q pretende fazer as coisas devagar, decente e paulatinamente, c/ intenção de eventually melhorar as coisas p/ todos, um objetivo q a direita e seus penduricalhos professam cínica e half-heartedly há mais de 1300 meses no Brasil, c/ o resultado q/ aí está.

Se há algo de novo no Brasil, é o fato de q o Lula, c/ todos os seus defeitos, é um líder – um tipo de pessoa q centraliza e direciona e coloca tudo numa perspectiva clara e nova. Como eu já disse antes em outras ocasiões, líder não é quem sabe onde é: é aquele q sabe levar. O conselho q dou aos direitistas e seus mamadores: paciência e prozac. C/ Lula, tudo vai melhorar.