segunda-feira, setembro 23, 2002

João Luiz,
C/ um atraso indesculpável embora compreensível, aqui vai minha resposta ao seu artigo anterior a esse último do sapo.

Acho q algumas de suas conclusões estão baseadas em premissas erradas ou errôneas.

(1) MACAQUICES
A partir do fato de q um macaco não consegue desenhar uma imagem q viu e identificou, vc conclui q o macaco não retém a imagem na mente. Sua conclusão está baseada em duas premissas ocultas falsas: (1) ser incapaz de desenhar uma imagem é evidência de q essa imagem não está na mente. [Se assim fosse, (a) grande parte da raça humana seria reprovada no teste, e (b) pessoas c/ lesões cerebrais q dificultam a coordenação motora seriam classificadas de irracionais]; (2) desenhar –uma capacidade reconhecidamente humana – pode ser usada p/ avaliar capacidades dos outros animais [isso é como dizer q os macacos não vivem na água pq não têm escamas]. Os macacos não desenham simplesmente pq os macacos não desenham, assim como os peixes não cacarejam e os gnus não põem ovos.

Mas é inconsistente declarar q um macaco é capaz de reconhecer uma imagem e ao mesmo tempo afirmar q a imagem não está na mente do animal q a reconhece. ¿Como é q o reconhecimento aconteceria a não ser pela superposição de um estímulo visual a uma representação mental? Dizer q o animal é “condicionado” a reconhecer um “sinal” não explica nada, apenas coloca mais palavreado entre o fenômeno e sua compreensão. [O condicionamento é necessário apenas p/ inserir o animal num mundo de estímulos totalmente desvinculado de seu habitat natural.]

Sobre o experimento c/ a faca e a maçã, só posso reiterar minha sugestão de antes: leia “The Language Instinct” e “How the Mind Works” do Stephen Pinker.

Às vezes parece q vc está inconscientemente identificando “pensamento” c/ “contemplação complexa”. Ou seja, q só o ser humano pensa pq necessariamente suas contemplações são complexas demais p/ a tacanhez de macacos, golfinhos, lontras e guepardos. Se for assim, é claro q vc tem razão. Mas se a complexidade fosse uma característica inseparável do pensar, a grande maioria do q passa pela mente dos humanos não mereceria ser chamada de ‘pensamento’. Por outro lado, o fato de q não se consegue determinar se os animais contemplam imagens ou idéias não é prova de q eles não as contemplem. Suspeito q o motivo desse fracasso seja muito mais simples: a mente dos macacos e cães não está montada p/ se adaptar às investigações criadas por seres humanos.

(2) O HOMEM PRIMITIVO E SUA ESPECIALIZAÇÃO
Vc acredita q a “aquisição [da] capacidade de contemplação mental tenha sido abrupta (uma “falha” ou mutação física), e não um processo lento e longo.”

Hmm. ¿Como assim, abrupta? ¿De uma geração p/ a próxima? ¿De um indivíduo mutante p/ seus filhos? Posso estar me excedendo aqui, mas tenho a impressão de q vc não lida bem c/ o conceito darwinista de evolução. Por favor diga se estou errado.

(3) NOMEAÇÃO
Vc diz q contemplar uma imagem mental de um fundo branco c/ cinco pontos pode ser chamado de ‘nomeação’: q ‘identificar’ um ‘algo’ mental e distingui-lo de ‘outro algo’ mental é um processo análogo a dar-lhes nomes. Ok. Mas não diga algo como “dar nomes é um processo exclusivamente humano, e portanto identificar um ‘algo’ mental e distingui-lo de ‘outro algo’ mental também são processos exclusivamente humanos”, pq aí vc estará cometendo o mesmo erro de anteriormente: vc estará dizendo q omelete se faz c/ ovo pq é c/ ovo q se faz omelete.

(4)FALA E PENSAMENTO
Se a capacidade de nomear coisas ausentes por meio de símbolos é apanágio intransferível do ser humano, e se a ideologia, cultura e pensamento só podem ser produtos dessa capacidade, então resulta óbvio q ideologia, cultura e pensamento são apanágios intransferíveis do ser humano. Simples. Feijoada se faz c/ feijão pq se fosse feita c/ lentilha seria lentilhada. Simples, mas não explica nada. Um caminho muito mais revelador começa ao aceitar q as formigas, os gibões e os golfinhos compartilham características biológicas básicas c/ os humanos; q todos os animais têm q resolver mais ou menos os mesmos problemas, e manifestando-se aquelas características em vários níveis de complexidade; e q os humanos atualmente detêm o título de animais culturalmente, ideologicamente e intelectualmente mais complexos — conhecidos até o momento, pelo próprio ser humano: é uma presunção inapelável achar q somos o máximo, assim como dizer q somos qualitativamente diferentes é fruto mais da arrogância humana q do rigor científico.