quarta-feira, setembro 10, 2003

Embora as questões mais conhecidas levantadas pelo Aldo Rebelo não tenham, a rigor, problemas de hipoplausibilose, o Dr Plausível poderia fazer críticas corrosivas e elogios entusiasmandos ao mesmo. Mas já dizia (acho) John Littleton-Murray: "If you want to be precise, you're bound to be metaphorical", q traduzo: "Para ser preciso, é preciso ser metafórico" (uma tradução q o próprio Rebelo apreciaria: ficou melhor em português q no original, modéstia à parte); portanto, vou usar uma metáfora p/ mostrar a imagem q o dobre debudado me traz à mente. Ele me lembra uma tira do Calvin:

"Q há p/ o jantar, mãe?"
"Tortellini"
"Oh, não, tortellini, não! Odeio tortellini! Q nojo!! Eca!! Não tem nada mais horrível q tortellini!!! A gente não pode comer outra coisa?!?"
"Não."
E é só aí q o Calvin abre o dicionário p/ saber o q é tortellini, afinal.

O Rebelo é como uma pessoa criticando um livro ruim q nem sequer leu: o livro é ruim sim, mas por não saber do q fala, o Rebelo critica os personagens qdo deveria criticar o enredo. Ou seja, ele está justificavelmente indignado com o assunto certo, mas pelos motivos errados.

Sobre sua insistência por uma norma ortográfica q aportuguese (!) as palavras estrangeiras, ele me lembra um cartum do Quino em q um funcionário público sai carimbando todo e qqer objeto à sua volta. O Rebelo tem essa mania de funcionário público regulamentar tudo q vê pela frente, tanto p/ deixar sua marca como p/ aumentar a receita do estado.

Vou citar um exemplo de como o Rebelo pega o touro certo pelo rabo errado (frase esta q acabei de inventar; parece não ter sentido, mas foi isso mesmo q eu quis dizer).

Ele critica o fato de o brasileiro usar palavras como 'chat' em vez de 'bate-bapo', e 'site' em vez de 'sítio', e coisas do gênero. Mas um fato inescapável é q uma cultura, uma pessoa, uma ciência &c é tanto mais desenvolvida, complexa e eficiente qto mais distinções fizer sobre o q observa. Muita gente não vê diferença entre, por exemplo, 'insultar' e 'ofender'; mas existe uma diferença, e enxergar diferenças desse tipo é indício tanto de complexidade como de desenvolvimento. Portanto, ser capaz de expressar claramente a diferença entre uma idéia e outra por meio de duas palavras distintas é ótimo: 'site' é uma coisa e 'sítio' é outra e as duas nunca serão confundidas. No caso de 'site', o falante de inglês não tem esse boi: p/ distinguir entre um 'site' e outro, ele precisa ou do contexto ou de uma palavra a mais, por exemplo 'internet site' e 'building site'. O q o Rebelo não vê é q está exatamente aí o problema do brasileiro: o brasileiro não gosta de ter q analisar o 'contexto' p/ entender uma palavra e é portanto um mau leitor, um leitor sem prazer; ele não gosta de trocadilhos e tem pouco senso de humor; ele não gosta de vestir palavras antigas c/ significados novos e portanto fica confuso facilmente. Por outro lado, não é verdade (como quer o Rebelo) q o português tem palavras suficientes p/ batizar qqer novidade. Sorry. Muita coisa teria q mudar na infame 'norma culta' e na cultura brasileira p/ acompanhar o ritmo das novas tecnologias. Para ser preciso, é preciso ser metafórico: qqer jargão novo terá q usar o q já existe, como alíás é o q faz o inglês.

Se o problema é o inglês invadir o português, as causas são absurdamente mais complexas do q poderia ser resolvido c/ uma Lei Robalo. Só p/ citar dois extremos:

Num extremo:
(1) quem cria a tecnologia também cria a nomenclatura. Mas no Brasil, a rotina é copiar, desde flash mobs até leis lingüísticas, passando por matérias jornalísticas e interpretações científicas. Enquanto o Brasil copiar tudo dos outros, tbm vai ter q usar os nomes q os pais das idéias criam. Aliás, esse é um ponto mais importante do q parece à primeira vista: as criações só 'pegam' e se desdobram se existe um vocabulário flexível e adaptável q acompanhe o ritmo das criações.

No outro extremo:
(2) como bem disse uma colombiana q conheci na Usp anos atrás, "los brasileños les tienen miedo a las palabras": brasileiro tem medo das palavras. Tudo no Brasil precisa ser dito à meia boca, senão ofende. É dificílimo ter uma discussão abstrata sobre algo concreto: tudo vira discussão concreta sobre algo abstrato. Como conseqüência, pouca coisa realmente nova é criada, poucas discussões vão a fundo, poucos problemas são resolvidos. A atitude reinante é sempre "vamos deixar como está p/ ver como é que fica" -- aliás uma frase (juntamente c/ "jogar conversa fora") q é tão, mas TÃO, peculiar à língua portuguesa q parece prova cabal de q a língua determina a cultura e não o contrário.

O Aldo Rebelo não é nenhum idiota. É um cara culto e inteligente. Mas sua ideologia o leva a olhar para a utilização do inglês no Brasil como invasão das hostes imperialistas, e c/ isso não enxerga os problemas brasileiros q permitem essa invasão. Além disso, lê-se nas entrelinhas de seu discurso um desejo inconfessável de batizar uma lei c/ seu próprio nome, a exemplo da lei francesa q ele quer ãã... copiar.

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