quinta-feira, outubro 31, 2002

João Luiz,
A imprensa, q em última análise vende ao povão (todo mundo é povão), se delicia em recontar a vida de Lula como um enredo de novela. Na Folha de SPaulo de hoje, o perspicaz artigo de Contardo Calligaris coloca Lula numa perspectiva mais equilibrada. Como diz, as origens humildes do presidente eleito não deveriam ser manchete. Até a BBC o qualificou de "former shoeshine boy" ao invés de focar seu papel de líder sindical. Manchete justificável seria se o líder sindical houvesse tido origem oligárquica.

Eu gostaria de equilibrar a análise do colunista um pouquinho mais.

Primeiro, se retrocedermos algumas gerações, veremos q todos os brasileiros têm origem 'retirante', porém eufemisticamente disfarçada no termo 'imigrante'. Nesse aspecto, o Silva de Lula difere pouco de Vargas, Geisel ou Médici. Para entender por quê, bastaria perguntar o q teria motivado um Médici (!) a emigrar ao Brasil. A resposta seria muito parecida c/ o q Lula diria de si: melhores pastagens, por assim dizer.

Segundo, é um erro pensar q considerações políticas e econômicas são centrais na decisão do eleitor comum. A eleição é decidida pelos indecisos e qualquer outro canditado seria e será eleito simplesmente por ser o mais carismático na amostragem proposta, qdo não há riscos maiores. Sempre foi assim e sempre será. A questão nova nestas eleições foi q (como apontou Serra num dos debates) todos os candidatos tinham origem mais ou menos humilde. As oligarquias desistiram de sujar as mãos c/ a política qdo, durante a ditadura, viram q era muito mais vantajoso ligar-se a interesses pretensamente apolíticos do primeiro mundo. O último representante direto de uma oligarquia foi Sarney – uma tentativa decididamente half-hearted de voltar ao comando. Depois dele tivemos dois refugos da elite, um enfant terrible (Collor), e um CDF (Cardoso). Para o próximo mandato, as elites não ajudaram a eleger Lula, mas – e este é um ponto crucial – deixaram q fosse eleito. A meu ver, deixaram porque (ao contrário do q o povão é levado a crer) o cargo de presidente e o próprio governo em si já não têm muita relevância. As elites estão agora filiadas a grandes corporações q têm um poder transnacional à revelia de qualquer governo. Evidência disso é q Lula recebeu 'apoio' de uma parte da elite não pelo q prometeu fazer mas pelo q prometeu não fazer.

Lula agora é Global, invade o horário das novelas e é em si o enredo de maior audiência no momento. É uma ironia comum em literatura q o personagem honesto, dedicado e capaz seja por fim recompensado c/ o ansiado troféu, porém agora maculado e irrelevante. O mundo é mesmo uma merda, e eu agora vou ao banheiro cagar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário