domingo, junho 08, 2003

Segurança Contra Traduzês

Há um texto circulando pelos imêios, c/ conselhos de segurança p/ mulheres. A coisa começa assim:

"Se um dia você for jogado dentro do porta-malas de um carro, chute os faróis traseiros até que eles saiam para fora, estique seu braço pelos buracos e comece a gesticular feito doido. O motorista não verá você, mas todo mundo verá. Isto já salvou muitas vidas.
Algo em torno de 99% de todos nós estaremos expostos a, ou tornar-nos-emos vítimas de, um crime violento. Os três motivos pelos quais as mulheres são alvos fácei s para atos de violência são:
a. Falta de estar cônscia. Você TEM que estar cônscia de onde você está e do que está acontecendo em volta de você.
b. Linguagem do corpo. Mantenha sua cabeça erguida, balance seus braços, e permaneça em posição ereta.
c. Lugar errado, hora errada. NÃO ande sozinha em ruas estreitas, nem dirija em bairros mal-afamados à noite.
As mulheres têm a tendência de entrar em seus carros depois de fazerem &c &c &c"



Tudo verdade. Só q, como tanta coisa no mundo do ponto-com-ponto-bê-erre, é traduzido do inglês. Esse texto em particular vem dos EUA, c/ toda aquela carga paranóica deles, e é muito útil p/ ELES. Entre outros despropósitos, o texto parece entender q toda mulher brasileira tem um carro. Cadê os conselhos de segurança em ônibus de periferia? Ou seja, é tudo verdade, mas é a verdade DELES. O texto original e completo está neste endereço:

www.awarenyc.org/safety.htm

Não estou dizendo q não existem problemas parecidos com esses no Brasil. Mas peraí! Pra quê neurotizar, paranoiquizar, americanizar o Brasil? Já não há problemas suficientes? Pra quê criar e fomentar uma geração de picuinhistas no estilo do tio Samuel?

Esse texto até foi uma surpresa. É uma exceção pelo fato de estar razoavelmente bem traduzido, embora não tenha resolvido bem certas coisas. (Por exemplo, traduzir "It is better to be safe than sorry." para "É melhor estar a salvo do que estar arrependido." é típico de aluno estudado porém inexperiente. Outra falha é traduzir "sympathetic" por "condescendente": as duas palavras simplesmente não têm significados equivalentes. Y otras cositas más.) Mas digo q fiquei surpreso porque recebo CADA texto pela internet! Dá a impressão de q muito brasileiro fala traduzês em vez de português.

Sempre q recebo esse tipo de texto, fico me perguntando:

Será q no Brasil ninguém tem idéias p/ escrever? Será q ninguém tem nada interessante ou verdadeiramente útil p/ dizer e precisa ficar reproduzindo coisas estrangeiras? Será q nenhum escrito brasileiro resiste ao crivo do email? Será q até vamos ter q rir de piadas [mal] traduzidas? Basta dizer q (segundo meus cálculos) pelo menos 95% das mensagens edificantes, conselhos em Powerpoint, piadas, cartuns e preces q circulam na internet foram originalmente escritas por algum americano careta, paranóico, pudico e caipira, e foram então traduzidas por um semi-letrado incapaz de comunicar suas próprias idéias.

Será q os tradutores desses textos não percebem q nenhum brasileiro (q se preze!) diz coisas como "um ex-convicto" [an ex-convict]; "gastamos horas" [we would spend hours]; "compradores de risco" [risk-takers], e uma tonelada de outras traduzices? Pois alguns, baixando logo o zumbi, utilizam mecanicamente as regras americanas na formação de frases!! Será q não pensam?

E a pergunta-corolário: Será q tem tanto brasileiro supostamente culto q pensa a partir de traduções mal-feitas e vê o mundo com os olhos alheios?

O Lobão, numa memorável entrevista, esculhambou os estrangeirófilos dizendo q passam a vida "gozando c/ o pau dos outros". Agora, além de gozar c/ o pau dos outros, será q o brasileiro está querendo tremer de medo alheio?

Enquanto os brasileiros se limitarem a regurgitar idéias importadas, não criarão nada de novo e serão o povo bundão q aí está. Note q o remetente original do texto disse c/ todas as letras "A pessoa que elaborou o conteúdo este [sic] deste e-mail é diretor de uma empresa de segurança no RJ." Se o tal diretor (se realmente existe) entende q "traduzir" é igual a "elaborar", não admira q tenha de recorrer a idéias importadas. E sua bundice se extende até a falta de hombridade pra dar os devidos créditos.

Nada disso é uma censura às pessoas q re-enviam essas coisas. Eu até compreendo q, na falta de produção nativa, a avidez por informações e comentários as conduza a traduzir e reproduzir criações estrangeiras. Mas eu prefiro dez mil vezes mais receber textos inteligentes originalmente escritos em português.

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