terça-feira, julho 23, 2002

João Luiz,
Hmm. Muito bom. Chamar a pergunta de 'cafajeste' coloca o perguntador bem em perspectiva.

O primeiro exemplo de pergunta cafajeste (Se sua mãe e seu filho estivessem se afogando, e vc só pudesse salvar um, quem vc salvaria?) não é tão cafajeste assim. A resposta é fácil: o filho. Para encafajestear ainda mais, pergunte: Se sua mãe é saudável e seu filho tem aids, e os dois estivessem se afogando, qual dos dois vc salvaria primeiro?

Acho q as respostas às perguntas 2 e 3 já estão previstas em lei. No caso 2, me parece q há algum tipo de argumento q apóia a legítima defesa de alguém q está impossibilitado de se defender. No caso 3, a lei só pode lidar c/ conseqüências do ato e não c/ suas motivações. Se sua família está morrendo de fome e então vc os alimenta c/ a comida q roubou e eles sobrevivem, ninguém nunca conseguirá provar q eles teriam morrido se vc não tivesse roubado a comida. O q aconteceu foi q vc interpretou q eles morreriam e agiu baseado nessa interpretação. No entanto, alguém poderia então interpretar q vc talvez tenha uma compulsão doentia de roubar qdo se vê em situações extremas, e então procura interpretar toda situação difícil como uma situação extrema exatamente p/ poder satisfazer sua compulsão de roubar. Por outro lado, se vc não rouba a comida e eles morrem, ninguém nunca conseguirá provar q eles não teriam morrido se vc os tivesse alimentado, c/ comida roubada ou não.

A pergunta original do programa tem três defeitos lógicos q vc não comentou, pois se concentrou na premissa moral de q ao torturar o suspeito estar-se-ia perpetrando outro crime. Os defeitos lógicos são (1) o 'suspeito' não é necessariamente o cara q sabe onde encontrar o seqüestrado — ele pode ser suspeito apenas porque estava no lugar errado na hora errada; (2) mesmo q o torturado saiba onde encontrar seu filho, nada garante q a tortura o fará desembuchar; (3) mesmo q ele desembuche, nada garante q seu filho será de fato encontrado. Ou seja, p/ mim o problema lógico básico de quem advoga a tortura de um suspeito é q ela não garante uma solução, e tem mais a tônica de uma pré-vingança (e talvez sobre a pessoa errada!) do q de um método lúcido p/ se chegar a uma informação. A resposta à pergunta '¿deve-se torturar um suspeito?' é então 'melhor não'.

Resta a questão de se a pré-vingança traz p/ o vingador ou p/ a sociedade algum benefício a longo prazo; a resposta é 'não sei, nem ninguém sabe', pois qqer benefício ou malefício imaginado a longo prazo pode ser revertido se se imagina um prazo ainda mais longo, e então revertido novamente ao alongar o prazo mais um pouco, e assim por diante. Essa questão então se auto-anula, pois não tem conseqüências práticas no aqui-agora.

O problema básico de fazer essas perguntas cafajestes é q na natureza as coisas nunca acontecem de maneira a criar dilemas insolúveis, e tb q a legislação está razoavelmente desenvolvida p/ dirimir e atribuir responsabilidades c/ razoável justiça. Mas se a questão moral está logicamente mal formulada, podemos dar uma mãozinha. Os dilemas insolúveis só acontecem nesses filmecos tipo Batman &c, q às vezes levantam dilemas morais bastante perturbadores. O herói sempre acha uma solução q contorna o problema sem de fato jamais resolver o dilema. Mas imaginemos uma dilema extremo inspirado por esse tipo de filme, um dilema tanto moral como quântico: o seqüestrador do bebê de um fulano tb é um maníaco suicida. Ele esconde o bebê e a si mesmo dentro de um mecanismo insondável q externamente só tem uma alavanca. O fulano é então informado q (1) puxar a alavanca causa a morte instantânea do seqüestrador e talvez liberte o bebê, talvez o teletransporte p/ o outro lado do planeta, onde ele vai ter um lar normal; (2) não puxá-la em meia hora automaticamente teletransporta o bebê p/ o mesmo lugar, e teletransporta o maníaco p/ um outro lugar inconhecível, onde ele certamente não será punido. Então? ¿Puxar a alavanca é assassinato? ¿Auxílio a suicídio? ¿Não puxar a alavanca configura cumplicidade num seqüestro? A resposta a esse "dilema moral" é q tanto faz. Numa situação tão distante da natureza das coisas, qqer ação estaria automaticamente isenta de responsabilidade. Nas situações normais, siga-se o bom senso q está refletido na lei.

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